Advogada comenta deportação de pesquisadora da USP: “Não tem base”
Pesquisadora da USP foi deportada da França sem justificativa, conforme relatou. Advogada apontou necessidade de formalização das razões
atualizado
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A deportação da França da pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Márcia Rodrigues, não tem base legal, afirmou ao Metrópoles a advogada especializada em direitos humanos e direito internacional, Victoriana Leonora Gonzaga. A doutoranda brasileira havia tentado entrar no país com visto válido e documentação regular.
De acordo com a advogada, com base no relato da pesquisadora, ela não precisaria de visto adicional para circular no país europeu, já que estava com visto de estudante, emitido por Portugal, e com autorização para viajar dentro do espaço Schengen – área de livre circulação que inclui a França.
“E o Brasil, tendo um acordo com a União Europeia, brasileiros em caso de turismo não precisariam [de visto adicional]”, disse.
O que aconteceu
- Márcia está cursando parte do seu doutorado em Portugal e, antes de voltar a São Paulo, onde mora, decidiu visitar Paris, na França.
- Quando desembarcou no aeroporto parisiense, no dia 21 de maio, ela teve sua entrada no país impedida por agentes da imigração e seu aporte retido.
- A estudante relatou ter visto válido aprovado pela AIMA, órgão que autoriza a permanência de estrangeiros em Portugal.
- Segundo informações da instituição, ela teria direito de circular pelo Espaço Schengen, área que inclui Portugal, França e outros 27 países.
- Apesar disso, a pesquisadora disse que foi hostilizada pelos agentes da imigração e forçada a um documento sem tradução, do qual não entendia o conteúdo.
- Após , Márcia foi informada por um policial de que não poderia mais pisar em nenhum país da Europa. “Foi aí que eu entrei em pânico”, lembrou.
- Com o documento assinado, a estudante foi escoltada de volta ao avião e mandada para Lisboa.
- A doutoranda saiu de Porto por volta das 7h40 e só foi liberada do aeroporto de Lisboa, com seu aporte, depois das 19h.
A história veio à tona após Márcia publicar um registro do ocorrido em seu Instagram. No vídeo, ela mostrou diversos momentos das 12 horas em que ou nos aeroportos de Paris e Lisboa.
Veja:
Irregularidades na deportação
De acordo com a advogada, o relato de Márcia aponta para potenciais irregularidades cometidas pelos agentes da imigração. “A autoridade migratória de qualquer país pode sempre recusar a entrada de qualquer pessoa, mas tem que ter um fundamento, tem que garantir o devido processo”, disse.
“No caso específico da doutoranda, ela tendo visto de estudante em Portugal, sendo visto de múltiplas entradas, não deveria ter tido problema. Então, estando em regularidade no país emissor, ou seja, Portugal, se já estava com autorização, com visto válido, ela não deveria, em tese, ter tido problema para visitar a França, principalmente por poucos dias”, completou a advogada.
A especialista lembra os casos em que a autoridade migratória pode impedir a entrada de um turista em um país.
É o caso, por exemplo, do indivíduo que não cumpre os requisitos de renda, demonstra intenção de permanecer ilegal no território, tem algum documento inválido, apresenta risco à ordem pública e segurança nacional ou se estiver irregular em qualquer outro país do bloco ao qual a nação faz parte.
Ainda assim, é preciso que a recusa seja formalizada, com uma explicação clara dos motivos – o que não ocorreu com Márcia. “A Carta de Direitos Humanos, a Convenção Europeia de Direitos Humanos, também fala do direito à informação. Então, ela tem que saber os motivos, tem que ter uma tradução compreensível, ela tem que poder recorrer”, destacou Victoriana Leonora Gonzaga.
“Nunca foi meu sonho”
Com a repercussão do ocorrido, Márcia tem sido bombardeada de comentários que dizem que ela queria estar lá e que estaria desdenhando da viagem. “Na verdade, nunca foi o meu sonho. Quando eu ei para esse edital, eu tive muitos pesadelos. Toda noite eu tinha pesadelo com o tráfico de mulheres”, revelou.
“Porque eu sou uma mulher preta, do estado do Rio de Janeiro. Praticamente todas as minhas experiências com homens europeus não são boas. Porque, normalmente, eram aqueles caras que achavam que podiam encostar no meu corpo sem minha autorização. Eu sempre fui muito assediada. Não é uma questão de beleza, é uma questão de eles acharem que o Brasil é um lugar de turismo sexual”, avaliou Márcia.
Ela foi muito elogiada pelos familiares e amigos quando ou para a bolsa, mas não conseguia se acalmar. A estudante explicou que só ficou mais tranquila sobre a viagem quando descobriu que uma amiga de muitos anos estava morando em Portugal. “Eu pensei: ‘Bom, tem uma mulher lá. Eu posso respirar um pouco'”, pontuou.
“Não era um sonho de consumo. Na verdade, foi o meu pesadelo”, itiu Márcia. Ela ficou oito meses lá, sendo que poderia ter ficado um ano, mas escolheu não estender.
Procurada pelo Metrópoles, a Embaixada da França no Brasil não se manifestou. O espaço está aberto para posicionamento.
Já o Itamaraty informou que, por meio de sua rede consular, o Ministério das Relações Exteriores está à disposição para prestar a assistência cabível a Márcia. “Sugere-se, adicionalmente, consulta às autoridades migratórias sas”, disse o órgão.