Crítica: “A Morte de Luís XIV” é sutil e encantador
O longa retrata os últimos momentos do Rei Sol, que se torna uma figura humana e sofredora
atualizado
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O drama “A Morte de Luís XIV” tem o que o ator Paulo José chamou certa vez de “o tempo que o cinema deve ter”. Baseada nos escritos do filósofo e economista francês Saint-Simon (1760-1825), a fita dirigida pelo espanhol Albert Serra reconstitui, com encanto narrativo, os últimos dias de vida do Rei Sol.
O rigor da narrativa é um esplendor, assim como a bela fotografia reproduzida à luz de velas. Não há como se lembrar da pintura visual de Stanley Kubrick em “Barry Lyndon”. Uma das atrações do Festival de Cannes do ano ado, fora da mostra competitiva, o filme se a em quase todo em sua totalidade dentro dos aposentos do rei, com este agonizante, cercado de súditos e médicos incapazes de curar uma gangrena em sua perna esquerda.A solução apontada é a amputar o membro. O soberano descarta tal saída. No desespero, buscam ajuda de médicos das mais renomadas universidades a curandeiros charlatões, que o obrigam a beber um elixir feito à base de esperma e sangue de touro. “Estava ando por Paris e fiquei sabendo da doença do rei. Pode confiar em mim”, diz um deles.
E a romaria ao leito de morte do rei moribundo é incessante. Secretários das finanças urubuzando recursos antes que seja tarde demais, criados, o conforto dos religiosos, animais domésticos, a aflição dos médicos reféns de uma medicina ainda muito precária para época. “Minha perna não dói mais. É a inteligência que conta”, comenta em dado momento o rei.
Montagem sutil
A trama é conduzida com economia de interpretação por Jean-Pierre Léaud, o eterno pupilo de Truffaut. Assim como em “Jackie”, de Pablo Larraín, o cineasta Albert Serra aqui desnuda a imagem imponente e quase onipresente do rei numa figura frágil, vulnerável e amargurado na solidão de seu sofrimento físico. “Senhores, faremos melhor da próxima vez”, lamenta, com certo cinismo profissional, um dos médicos diante da morte iminente do monarca.
Conduzindo o público com carga dramática hipnotizante e montagem sutil que nem de longe nos lembra de que o filme se a quase completamente dentro de um quarto, “A Morte de Luís XIV” é um daqueles raros e sublimes momentos em que o cinema simplesmente é cinema.
Avaliação: Ótimo
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